terça-feira, 25 de outubro de 2005

um roubo, porque sim

A vaca preta e a vaca branca
A história seguinte, que deve ser dita ou lida lentamente, conta-se no País Basco espanhol. (...)
Um camponês tranquilo e taciturno guardava duas vacas que pastavam num prado e não faziam mais nada.
Outro camponês, que passou por ali, sentou-se num murete, na orla do prado, ficou um momento calado (nesta região as conversas são lentas e reflectidas) e por fim perguntou:
- Comem bem as vacas?
- Qual?- disse o outro.
O camponês de passagem, um tanto desconcertado por esta pergunta, disse então, mais ou menos ao acaso:
- A branca.
- A branca, come. - disse o primeiro.
- E a preta?
- A preta também.
Após este primeiro diálogo, os dois homens ficaram bastante tempo sem falar, olhos postos na paisagem familiar, as montanhas, a aldeia.
Depois o segundo camponês perguntou:
- Dão muito leite?
- Qual?- disse logo o outro.
- A branca.
- A branca dá.
- E a preta?
- A preta também.
Seguiu-se outro silêncio que durou tanto tempo como os anteriores.Enquanto (...) os dois homens não olharam um para o outro.Só se ouvia o ruído pacífico das duas vacas comendo erva.
O segundo camponês abandonou finalmente o silêncio e disse:
- Mas por que me perguntas sempre «qual»?
- Porque - respondeu o primeiro - a branca é minha.
- Ah - disse o outro.
Reflectiu mais um pouco e perguntou, para terminar, não sem uma secreta apreensão.
- E a preta?
- A preta também.
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos

1 comentário:

deep disse...

...e tá muito bem roubado!Afinal o subtítulo da obra Tertúlia de Mentirosos é Contos Filosóficos do Mundo Inteiro - são, por isso, de todos!
xi